Este blogue é feito de memórias, de vivências, de desejos, de realidade e de sonho. Nele pulsa a infância e a eterna procura dela. É dedicado aos meus netos.
Continua o périplo dos meus netos pelas exposições em Londres. Desta vez Picasso, na Tate Modern.
"A exposição “Picasso 1932 – Love, Fame, Tragedy”vai juntar cerca de 100 obras (entre pinturas, esculturas e desenhos e alguns objectos pessoais) e vai construir um olhar detalhado sobre o dia a dia do ano de 1932 na vida do escultor, ceramista, cenógrafo, poeta e dramaturgo espanhol Pablo Picasso.
Não sabemos o que os olhares e a memória infantis irão reter... Não sabemos o que um olhar infantil pode captar.
A propósito, lembro-me de ter visto uma exposição sobre Picasso, há muitos anos, com o meu filho mais velho, que não teria mais de 4 anos. Lembro-me que o tinha ao colo quando, perante a Guernica pergunta de rompante Mãe, porque é que o cavalo está a gritar?
Chegará o dia em que os meus netos, assim o creio, hão-de ouvir falar de Maria João Pires. Eu tive o privilégio de a ter visto. A primeira vez, visão que me impressionou, foi a meados da década de 80 (não sei precisar o ano) num concerto na cidade de Évora. Figura frágil, parecia esvoaçar naquele vestido fluido que fez da sua entrada em palco um deslizar. Fixei essa imagem e sempre que me lembro dela vejo-a nesse vestido longo e leve, cor de céu a anoitecer, a dirigir-se ao grande piano ao qual se abraçou e com o qual se agigantou. Sempre me impressionou em todos os aspetos... a sua figura, a sua beleza, a sua expressão, as suas ideias, a sua sensibilidade, o seu talento. Para mim, desde muito cedo, reunia tudo o que eu poderia pensar acerca do que era um artista. A personificação da arte. Nunca me dediquei a pensar o quanto poderá ter esta visão de ingenuidade e idealismo. De qualquer modo, nunca me senti desiludida. Maria João Pires é uma pianista de renome mundial, reconhecida internacionalmente como das maiores intérpretes de música para piano, particularmente clássica e romântica. Acho que teve um sonho. Um sonho lindo. Maria João desenvolveu um projeto pedagógico em Belgais, com crianças de um meio eminentemente rural. Belgais era uma aldeia a cerca de 20 Km de Castelo Branco, bem longe da capital e de toda a sua poluição (literal e metafórica). As coisas não acabaram bem. Coisas deste género, neste país, dificilmente acabam bem. Muitas nem sequer começam. Aqueles que as podiam levar a cabo têm de deixar o país, simplesmente por não terem nele espaço...Às vezes de um modo natural, outras de um modo mais dramático e sofrido. Quanto à música clássica, continuamos a ser um país "muito periférico", nas palavras de Artur Pizarro (http://upmagazine-tap.com/pt_artigos/artur-pizarro-toque-de-genio/) ou um país "onde só se tolera miniaturas", em que "o pequenino basta-nos". "Olha, vais ter grandes problemas neste país. Nasceste num país de miniaturistas", teriam sido palavras de João de Freitas Branco ao então pequenino (literalmente...) António Victorino de Almeida, na altura com 6/7anos... (cf. Programa Entre Tantos, da TVI, em http://tviplayer.iol.pt/programa/entre-tantos/5b4484e70cf2013c4279817e/video/5b6f57290cf282952f039677, no final, aos 23') O sonho de Belgais morreu. Atualmente Maria João Pires não vive em Portugal. Fixou residência e tem também cidadania brasileira. Deixo aqui a interpretação de Maria João Pires de um concerto célebre de Mozart, o Concerto nº 21, K. 467. Chegará o dia em que os meus netos, assim o creio, o hão-de ouvir. Neste caso, considero a filmagem, também, admirável. O preto e branco, a focagem no seu rosto belíssimo, na sua expressão, tanto quando toca como quando aguarda a entrada, toda a filmagem, incluindo a dos outros instrumentistas, é profundamente expressiva. Este filme é de Adrian Marthaler, como informa o autor da publicação no youtube, e revela uma obra de artista. Consegue acompanhar o concerto, sem provocar ruído ou distração.
Espero que o youtube não retire este link...https://www.youtube.com/watch?v=NMQXIH0FH-E