Este poema - versão de Almeida Garrett - parece ter sido baseado numa história real ocorrida no século XVI com uma nau portuguesa, que teria sido saqueada por piratas, teria andado à deriva, a sua tripulação quase toda dizimada pela doença e pela fome, mas teria conseguido chegar a terra firme.
Lembro-me de ouvir este poema, desta vez pela voz da minha mãe...
Hoje, Dia Mundial da Poesia, foi da Nau Catrineta que me lembrei.
Lá vem a Nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide agora, senhores,
Uma história de pasmar.
Que tem muito que contar!
Ouvide agora, senhores,
Uma história de pasmar.
Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.
Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.
Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
Que a não puderam tragar.
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
Que a não puderam tragar.
Deitaram sortes à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.
– “Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal!”
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal!”
– “Não vejo terras de Espanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar.”
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar.”
– “Acima, acima, gageiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal!”
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal!”
– “Alvíssaras, capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal!”
Mais enxergo três meninas,
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar.”
Meu capitão general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal!”
Mais enxergo três meninas,
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar.”
– “Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.”
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.”
– “A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar.”
Que vos custou a criar.”
– “Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar.”
Que o não possas contar.”
– “Não quero o vosso dinheiro
Pois vos custou a ganhar.”
Pois vos custou a ganhar.”
– “Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual.”
Que nunca houve outro igual.”
– “Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar.”
Que vos custou a ensinar.”
– “Dar-te-ei a Catrineta,
Para nela navegar.”
Para nela navegar.”
– “Não quero a Nau Catrineta,
Que a não sei governar.”
Que a não sei governar.”
– “Que queres tu, meu gageiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?”
Que alvíssaras te hei-de dar?”
– “Capitão, quero a tua alma,
Para comigo a levar!”
Para comigo a levar!”
– “Renego de ti, demónio,
Que me estavas a tentar!
A minha alma é só de Deus;
O corpo dou eu ao mar.”
Que me estavas a tentar!
A minha alma é só de Deus;
O corpo dou eu ao mar.”
Tomou-o um anjo nos braços,
Não no deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;
Não no deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;
E à noite a Nau Catrineta
Estava em terra a varar.
Estava em terra a varar.
(Almeida Garrett, Romanceiro)
retirado de: https://ovelhaperdida.wordpress.com/2008/08/21/para-uma-leitura-da-nau-catrineta-de-garrett/
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